sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Brincando na terapia de Integração Sensorial


Por Ana Elizabeth Prado
Crefito 3/1670 TO

Algumas crianças ( e adultos) apresentam imaturidade no domínio corporal e nas relações com o meio devido a alguma alteração no processamento sensorial. Isso pode provocar diferenças no desempenho escolar e social.
Com pouca apropriação de corpo fica mais difícil manter atenção na aula, coordenar os movimentos nas ações cotidianas, ter uma comunicação fluida, entre outras. Inclusive pode até refletir na segurança emocional.
Na terapia de Integração Sensorial buscamos recursos que alimentem os sentidos para um melhor conhecimento corporal e construção de repertório próprio de cada um. Tudo pela diversão!!!

Esta brincadeira foi batizada por uma criança como Saco de Diversão.

Existe um recurso já conhecido na Integração Sensorial que nada mais é do que uma grande almofada retangular onde é colocado dentro espumas de diferentes tamanhos e espessuras para a criança transpor engatinhando ou andando dependendo da idade e objetivo. Desta vez eu fiz diferente:
coloquei vários objetos macios e, como elas chamam: "coisas fofas", sem a criança saber quais eram. Fui pegando no consultório almofadas de diferente tamanhos e formas, bichos de pelúcia, bolas de texturas variadas, rolos, e tecidos.
1- primeiro a criança é convidada a experimentar do jeito que quiser. Claro que TODAS se jogam na grande almofada, remexem, viram, pulam, carregam e até...


 ...pode ser feito um sanduiche de gente. Com direito a apertos e carinhos, se assim for pedido.

2-Em seguida é proposta uma brincadeira de reconhecer pelo tato cada objeto. Parte mais difícil, pois precisa de um tatear paciente e que resgate a memória, atenção, percepção de detalhes, representação, evocação de nomes. O tamanho e forma dos objetos variam de acordo com a idade e defasagem da criança. Não vale colocar muito difícil.

E aguentar a vontade de querer saber se acertou?
Pois é, mais uma coisa para aprender, a espera, uma parte essencial do tempo.
Um complemento desta fase da brincadeira é, a depender do programa, a cada objeto reconhecido a criança escreve a "Lista dos Objetos Fofos", para incentivar a escrita.
Outra variação é pedir um objeto e tentar encontrar no meio dos outros. Tem alguma girafa?

 3- Ao terminar, é claro, o grande momento de ver aquilo que estava só no tato e na mente.


 4-E como se não bastasse algumas crianças gostam de entrar no saco. Para quem suporta, e muitas vezes precisa, é a parte mais gostosa.  E digo, um dos motivos é por sentir o limite do corpo. A propriocepção junto com o tato fornecem referências valiosas sobre o corpo e ao mesmo tempo são elementos fundantes da identidade. Ajudam a auto regulação sensorial e emocional.
Ver também Propriocepção-sentidos e significados
 É legal ao entrar no saco deixar a criança experimentar nas diversas posições e muitas gostam de arrastar, engatinhar e andar pela sala, dentro do saco, com ou sem os objetos.

Um menino me falou que esta era sua aventura preferida. Lá ele pode fazer muitas coisas.

Fica a dica: materiais como malha elástica que podem esticar e fornecer pressão de leve a moderada na pele são bons recursos para brincadeiras para nutrir os sistemas sensoriais. Podem ser abertas ou mesmo só um tecido sem costura já é um bom alimento.

ATENÇÃO: essa é uma sugestão de brincadeira. Sempre consulte o terapeuta da criança para validar o uso. Todos os cuidados devem ser mantidos como:
NUNCA deixar a criança brincar com este recurso sem a presença do adulto.
NUNCA colocar a criança se ela não quiser. Devemos respeitar as preferências sensoriais de cada um. Esta brincadeira foi criada para a dieta sensorial de pessoas com um perfil sensorial que precisa destes alimentos.
Obs: esta malha tem um zíper grande e SEMPRE deve ficar aberto para entrar ar.  Tenho outra que tem uma grande abertura de velcron.
É recomendado ficar por pouco tempo para não provocar asfixia.
Inclusive algumas crianças gostam de ficar só com a cabeça para fora e o resto do corpo envolvido. Sempre vale o bom senso.

Preservado todos os ítens de segurança...boa diversão!

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Dica da terapia ocupacional - simplesmente pintar

Por Ana Elizabeth Prado
Crefito 3/1670 TO

Neste tempo atual de tantas ofertas de brinquedos e tecnologia, muitas vezes as crianças e pais são chamados a escolher por uma diversidade tão grande... e as brincadeiras mais simples podem escapar da valorização do adulto. 
Uma delas é a pintura

No início um papel em branco...e se fez o impulso  de criar
Nesta era tecnológica é comum encontrar crianças que nunca experimentaram pintar demoradamente sem uma formalização por parte do adulto. Pintar livremente, em diferentes suportes como papéis, papelão, reciclando materiais para virar brinquedos e, inclusive pintando o próprio corpo.
Pintar, entre outros aspectos, é uma atividade que integra corpo e imaginação, movimento e sensação, sentimento e pensamento, território corporal e do mundo, o próprio ato criativo sozinho ou compartilhado. A coordenação de tantos músculos ao usar os instrumentos na tentativa de criar, brincar, descobrir, poder reconhecer os limites de seu corpo nutrido pelos sentidos, aliar o que pensa, o que sonha, o que quer dizer...de forma espontânea e natural. 
O grande avanço da espécie humana, o uso dos instrumentos, deve ser comemorado mas sem esquecer das relações de quem pega o pincel, quem faz um desenho, quem dirige um carro, quem joga ou simplesmente quem brinca, onde brinca, com quem brinca e em que tempo é permitido brincar. 
Que o brincar não fique só nas ferramentas tecnológicas. Um jogo no tablete por exemplo, não substitui a sensação de escorrer a tinta pelos dedos ou a magia de se ver formando uma imagem, fazendo simplesmente experimentações.
Portanto, devemos favorecer um espaço onde a criança faça suas próprias elaborações durante  a brincadeira com as tintas. 
Sim, o ato de pintar pode ser uma brincadeira! 
E que esta vá além dos muros das escolas e consultórios. 
Do branco do papel às cores, formas, nomes... ao impulso de criar, sem pressa, aberta  ao encantamento do novo. 

Dicas aos pais:
-tenha sempre em casa um jogo de tintas de várias cores e
-pinceís de diversos tamanhos, esponjas, e o que mais você encontrar junto com a criança
-tenha diferentes suportes: madeira, papel, papelão, caixas, potes de plásticos
-escolha um local da casa onde possa ter respingos de tinta e depois lavar. Pode ser também usado plástico no chão e combinar com a criança o limite da casa onde ela pode pintar.
-já vi opções interessantes onde a família reservou uma parede de azulejo na garagem de casa, por exemplo, para a pintura livre.
-coloque "roupa de guerra", ou seja, aquela que pode ser pintada. Pode ser também uma camiseta velha de adulto, além dos tradicionais aventais.
-incentive a criança a escolher os materiais e montar o espaço.
-desde que a idade permita, incentive a criança a limpar o local da brincadeira. Pode ser outra diversão e aprendizado.
-no caso de filho único, favoreça momentos de pintar com outras crianças. Chame um vizinho ou alguém da familia e promova uma tarde diferente.
-a depender da idade e circunstâncias deixe também alguns momentos a criança sozinha.
-procure não fazer interpretações intelectuais à produção ou comentarios que tem a ver com sua expectativa. Comentários são bem vindos, desde que seja numa atitude de escuta ao que a criança queira dizer ou numa troca espontânea que é comum aparecer quando o adulto realmente se entrega também a brincadeira. 

Lembre-se: a atitude do adulto é um elemento importante que possibilita um ambiente favorável para a criação espontânea.O mais importante é a criança  se sentir segura e confiante na entrega de pintar sem pretensão e sem pressa.
E boa diversão!





sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Capacidade de co-regulação emocional e Autismo


Por Marie Schenk

Autismo é reconhecido como uma desordem em espectro com vários graus de intensidade. É de difícil definição porque a síndrome é complexa e não há duas pessoas com o diagnóstico de autismo que manifestem a síndrome da mesma maneira.

Pessoas com autismo têm “atraso ou funcionamento anormal” em algum grau nas três áreas seguintes:

  • Interação social
  • Comunicação
  • Padrões de comportamento que são manifestados através de interesses ou atividades estereotipadas, restritas e/ou repetitivas.

Porém, no autismo, um dos pontos-chave da dificuldade está no desenvolvimento emocional. As pessoas com autismo têm como desafio a motivação, a persistência, o auto-controle e a curiosidade.
Marie e Pedro-ed02
O que mais caracteriza o autista não são os comportamentos apresentados, mas sim a omissão, o que a criança não faz, ou desconhece. O diagnóstico de autismo é mais preciso se baseado na dificuldade ou falha da pessoa em função do domínio específico sócio-comunicativo e relacional.

É importante ressaltar que o diagnóstico de Autismo, Asperger ou Transtorno Global do Desenvolvimento não prediz as dificuldades que a pessoa enfrentará na vida, tampouco define um prognóstico, e nem mesmo fornece aos familiares ou profissionais muita informação sobre o potencial individual da pessoa diagnosticada.

É muito provável que as características descritas da síndrome sejam descrições de mecanismos de defesa, e não de orientação inata. O nosso cérebro está sempre em busca de equilíbrio, enquanto processamos o que vemos, ouvimos, cheiramos, degustamos ou sentimos. Todas as nossas experiências sensoriais e emocionais impulsionam o crescimento de conexões, daí vem a necessidade pela busca da regulação.

Essa busca acontece através da auto-regulação e da corregulação emocional. Nós nascemos com a necessidade de desenvolver auto e corregulação, as duas estratégias são necessárias para que o mundo à nossa volta e as sensações das nossas experiências façam sentido para nós. Sendo que a corregulação, nos sistemas de pessoas com desenvolvimento típico, amadurece primeiro.

Autoregulação são as estratégias que desenvolvemos, centrados em nós mesmos.
Quando estamos em um estado de ansiedade usamos estratégias de autoregulação, como colocar coisas na boca (chicletes, balas, comida, café, cigarro), mover as mãos ou pernas, levantar, andar, buscamos nos entreter de alguma forma que acalme o nosso sistema nervoso. As pessoas com desenvolvimento social típico, escolhem estratégias adequadas ao contexto social em que estão no momento, já as pessoas com deficits sociais, como no autismo, simplesmente buscam a estratégia mais conhecida deles para essa autoregulação. Porém, as experiências sensoriais, mesmo de autoregulação, provocam em nós uma resposta emocional.

Corregulação depende da troca emocional com o outro.
A capacidade de corregular a emoção acontece através da simples presença do outro, do toque, do olhar, do tom de voz. As crianças em geral, aprendem melhor através de brincadeiras positivas que incluam movimento, de uma maneira que essa interação mostre uma intenção clara no relacionamento, sem demandas excessivas e fora de contexto. A habilidade do cérebro em organizar essas informações relacionais é mais sofisticada se focada nessas características englobando o desenvolvimento emocional, do que com o uso de palavras explicativas.

As pesquisas na neurociência estão ajudando a explicar como e por quê um bom desenvolvimento emocional é essencial para entender relacionamentos, pensamento lógico, imaginação, criatividade e até a saúde do corpo. Especialistas em desenvolvimento concordam que o único fator que otimiza o potencial intelectual da criança é um relacionamento seguro e de confiança com seus pais e cuidadores. Por isso, o tempo gasto com chamegos, brincadeiras, atenção total e uma comunicação consciente com a criança estabelece uma relação segura e de respeito que é a base da pirâmide do desenvolvimento infantil. Com um sistema emocional seguro, a criança consegue se concentrar em explorar o mundo à sua volta, impulsionada pela curiosidade

"TODO COMPORTAMENTO É IMPULSIONADO POR UMA EMOÇÃO, VOCÊ MUDA COMO UMA PESSOA SE SENTE E ASSIM MUDARÁ COMO ELA PENSA E SE COMPORTA." (ERIC HAMBLEN)


A capacidade de corregular a emoção abre as portas para  outras tantas habilidades importantes no desenvolvimento social, como coordenar-se com outra pessoa, seguir e compartilhar interesses.

Por volta dos 18 meses de idade, crianças com desenvolvimento típico já têm a habilidade de se coordenar fisicamente com seus pais, através do movimento de uma forma reflexiva e fluente, com pouquíssimo suporte. Com essa habilidade de coordenar movimento "masterizada", pode-se mover o relacionamento a um patamar verbal com uma troca de interesses, em que podemos compartilhar com a criança o que nos interessa e vice-versa.

Pessoas com autismo têm dificuldade de desenvolver a corregulação emocional, por isso tendem a buscar a regulação através da autoestimulação. Criar jogos e brincadeiras que estimulem a coordenação física de movimentos entre duas pessoas, como o simples ato de caminhar juntos à uma distância que permita uma troca social - esaa distância é no máximo de um braço -, fazer atividades diárias juntos, pensadas em uma forma de coordenar o movimento como no ato de puxar o lençol juntos para arrumar uma cama, carregar cestos e sacolas juntos, já são exercícios que estimulam a corregulação.

O cérebro humano tem um grande desejo em agradar, em impactar as outras pessoas de forma positiva, primariamente.  Somos programados para causar reações emocionais nas pessoas à nossa volta. Quando nossos sistemas têm uma desorganização, muitas vezes só conseguimos esse impacto emocional através de comportamentos opositores e provocativos. Mesmo nesses casos, o cérebro ainda receberá uma recompensa emocional mais forte se a pessoa aprender estratégias para impactar positivamente os outros. É um processo de volta ao curso natural, que não é fácil e imediato, mas extremamente necessário para uma melhor qualidade de vida e que depende do desenvolvimento da corregulação emocional.

Através da habilidade de corregular a emoção, também somos capazes de influenciar a nossa própria emoção, isso quer dizer, se eu estou feliz e eu faço você feliz, juntos, podemos fazer um ao outro mais feliz. Isso acontece através dos meus atos em relação a você. É por meio do compartilhamento do olhar, do toque, do tom de voz usado e das experiências, que nós vivemos juntos.

"Através de interações, não apenas com seus pares, mas também com outros adultos, além da capacidade de adultos e crianças intuitivamente interagirem entre si — para compartilhar suas ideias, seus pensamentos, suas experiências juntos, com o objetivo de que ambos compreendam e sintam emocionalmente a presença um do outro  — e assim sentir a intensidade ou intimidade, é que desenvolvemos relações pessoais mais significativas neste mundo." (Eric Hamblen)

As pessoas com autismo não querem viver isoladas, elas precisam, assim como cada um de nós, do convivio e do compartilhamento com outras pessoas. Ajudá-las e desenvolver a corregulação emocional, o compartilhamento de sentimentos, a ampliação da alegria, dividir suas incertezas e angústias, ter um guia para descobrir o mundo são metas a serem seguidas, para que as pessoas com autismo e suas famílias tenham uma melhor qualidade de vida.


Marie Dorión Shenk é relações-públicas, fez vários cursos sobre autismo, incluindo de RDI, nos Estados Unidos e é mãe do Pedro, de 8 anos, e do Luís, de 6 anos — ambos estão no espectro do autismo —, além de manter o blog "Uma Voz para o Autismo" (UmaVozparaoAutismo.blogspot.com), seu e-mail é autismo@live.com

http://www.revistaautismo.com.br/edicao-2/capacidade-de-co-regulac-o-emocional-e-autismo